Recolhimento compulsório – Em nota, entidades cobram respostas a denúncias e repudiam declaração do prefeito

Categoria(s):  DIREITOS HUMANOS, Notícias, POLÍTICAS PÚBLICAS   Postado em: 05/09/2012 às 12:28

Uma nota divulgada hoje cobra respostas do poder público para denúncias feitas à política de recolhimento compulsório de pessoas em situação de rua ou em abuso de álcool e outras drogas. O documento – assinado pelos conselhos regionais de Psicologia (CRP-RJ) e Serviço Social (CRESS-RJ), pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ (CDDHC/ALERJ), pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e pelo Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio – cobra um posicionamento da prefeitura do Rio de Janeiro sobre o Relatório de Visitas aos “Abrigos Especializados” para Crianças e Adolescentes, lançado no dia 17 de agosto, e repudia a declaração desrespeitosa do prefeito Eduardo Paes em sabatina da jornal Folha de S. Paulo e do UOL, na sexta passada (31).

Leia a nota abaixo.

Críticas de entidades à política de recolhimento compulsório no Rio de Janeiro não podem ficar sem respostas

Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), órgão responsável por orientar e fiscalizar as práticas profissionais no campo da Psicologia;

O Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro (CRESS-RJ), órgão responsável por orientar e fiscalizar as práticas profissionais no campo do Serviço Social;

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (CDDHC/Alerj), órgão pluripartidário que, dentre as suas atribuições regimentais, tem como principal objetivo apurar as violações aos Direitos Humanos no Estado do Rio de Janeiro;

O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ), organização da sociedade civil que atua há 27 anos na luta por direitos, contra a prática de tortura por agentes do Estado, em fiscalização de espaços de privação de liberdade; e

O Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (NDH/PUC-Rio), centro universitário de pesquisa e mobilização que há dez anos atua com a missão de fornecer ferramentas teóricas capazes de gerar conscientização em direitos humanos a partir da comunidade acadêmica,

ESCLARECEM por meio desta nota alguns pontos importantes sobre o trabalho de acompanhamento e fiscalização das políticas municipais nos campos da assistência social e da saúde, e REPUDIAM a falta de respostas efetivas do poder público e o desrespeito manifestado pelo prefeito Eduardo Paes em suas declarações sobre o Relatório de Visitas aos “Abrigos Especializados” para Crianças e Adolescentes, durante a Sabatina Folha/UOL, na última sexta-feira, dia 31 de agosto.

 

O RELATÓRIO

Em maio de 2012, as entidades aqui representadas estiveram em visitas de fiscalização a quatro abrigos na zona oeste do Rio de Janeiro que recebem crianças e adolescentes recolhidos compulsoriamente pela Prefeitura. O trabalho de fiscalização foi feito em conjunto com o Comitê e o Mecanismo Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura, órgãos vinculados à Assembleia Legislativa e responsáveis pela fiscalização de espaços de privação de liberdade no estado. O quadro grave que encontramos nestes abrigos – que são gerenciados pela ONG Casa Espírita Tesloo – está detalhadamente refletido no Relatório de Visitas aos “Abrigos Especializados” para Crianças e Adolescentes, lançado no dia 17 de agosto de 2012. Em resumo, constatamos:

  • O caráter de privação de liberdade dos abrigos, que ficam em locais de difícil acesso e funcionam com uma prática de isolamento, trazendo prejuízo aos vínculos familiares e comunitários;
  • A medicalização descontrolada das crianças e adolescentes, com remédios receitados sem a devida avaliação médica e sem medidas de controle;
  • A “confusão deliberada” entre ‘abrigamento’ e ‘internação’, isto é, entre assistência social e tratamento clínico para usuários de álcool e outras drogas;
  • A orientação religiosa do tratamento, que fere a prerrogativa de laicidade das políticas públicas;
  • A falta de dados e informações consolidadas sobre os resultados e os efeitos do tratamento, uma vez que não há relatórios sobre a evolução clínica dos garotos e garotas.

 

As conclusões apontam para um regresso à lógica manicomial, para a violação de artigos da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) e para o descumprimento de diretrizes e políticas da própria prefeitura (Deliberação 763 da Secretaria Municipal de Assistência Social) e dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social.

 

HISTÓRICO

É importante lembrar que as entidades que assinam esta nota têm posicionamento crítico às políticas da prefeitura para pessoas em situação de rua ou em uso abusivo de álcool e outras drogas desde antes de 27 de maio de 2011, data em que foi instituída a Resolução SMAS nº 20, que determinou oficialmente o recolhimento compulsório na cidade. Que, desde então, participamos de diversos debates, reuniões e audiências em que manifestamos nossa posição contrária a esta política e denunciamos sua ineficácia e as ilegalidades e arbitrariedades que acontecem neste processo. Que, no mesmo sentido, produzimos notas, manifestos, documentos e relatórios sobre o assunto, que podem facilmente ser encontrados nos meios digitais ou nos arquivos de gabinetes do Poder Público.

 

Importante lembrar também que em 2011 o CRP-RJ e o CRESS-RJ, em parceria com os conselhos regionais de Enfermagem (COREN-RJ) e Nutrição (CRN-RJ), já haviam realizado fiscalizações em equipamentos direcionados à aplicação desta política e que, à época, também foram identificados, dentre outros problemas, ausência de ações intersetoriais, medicalização excessiva e prejuízo da convivência familiar e comunitária.

 

SILÊNCIO E DESQUALIFICAÇÃO

As entidades aqui representadas reforçam sua posição crítica às políticas adotadas pelo município do Rio de Janeiro no campo da assistência a pessoas em situação de rua e no campo do tratamento de pessoas em abuso de álcool e outras drogas. Se o próprio Poder Público admite que não tem convicção sobre a política do recolhimento compulsório, nós reforçamos aqui que o caminho para a assistência e o tratamento adequados de crianças, adolescentes e adultos em situação de rua ou em abuso de álcool e outras drogas deve ser o fortalecimento da rede composta por diversos estabelecimentos e equipamentos intersetoriais e articulados entre si, que já existe e que reflete as diretrizes e políticas dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social, desenvolvidas ao longo de muitos anos nos espaços participativos e plurais das Conferências Nacionais. Os governantes do Rio de Janeiro se posicionam na contramão deste caminho: temos, hoje, por exemplo, apenas quatro Centros de Atenção Psicossocial na área de Álcool e Outras Drogas (CAPS AD) municipais – sendo que dois ainda não têm sede própria – e cinco Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSI) municipais, apesar de recursos disponibilizados pelo governo federal para a ampliação da rede substitutiva em saúde mental e para a rede de apoio à população em situação de rua.

 

As entidades que assinam esta nota comunicam ainda que, até o momento, não foram chamadas para prestar explicações e não receberam nenhum retorno dos órgãos da prefeitura para os quais o Relatório de Visitas aos “Abrigos Especializados” para Crianças e Adolescentes foi encaminhado. Exigimos respostas às demandas colocadas, que refletem a posição de profissionais, pesquisadores, militantes, usuários, entidades e coletivos que historicamente atuam no campo da Saúde, da Saúde Mental, da Assistência Social e dos Direitos Humanos, e que tanto lutaram para a formulação de políticas públicas antimanicomiais e multidisciplinares, e que rechaçam, de forma unânime, a política de recolhimento compulsório. Exigimos, ainda, respeito ao nosso trabalho e à nossa trajetória.

 

O silêncio e a desqualificação do trabalho crítico de entidades e grupos de pesquisa não condizem com a postura que se espera de representantes do Poder Público. Simplesmente justificar as dificuldades de se construir políticas efetivas na área da Assistência Social com o discurso de que este é um campo que envolve “dramas humanos” para nós significa isentar o Estado das suas responsabilidades e dos compromissos que tem o dever de honrar.

 

Rio de Janeiro, 5 de setembro de 2012.

 

Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CRP-RJ
Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro – CRESS-RJ
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – CDDHC/Alerj
Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTNM/RJ
Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – NDH/PUC-Rio