No terceiro dia da IV Mostra Regional de Práticas em Psicologia, 24 de julho, a Comissão de Educação do CRP-RJ realizou a mesa “Tensões no encontro da Psicologia com a Educação: novos possíveis?”. A atividade foi iniciada com a exibição do vídeo “Educação inclusiva”, que havia sido distribuído aos participantes do evento, e, em seguida, houve palestras com profissionais que atuam na área.
Viviane Pereira da Silva (CRP 05/31297), psicóloga da Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro e premiada na categoria profissional do I Prêmio Margarete de Paiva Simões Ferreira, começou abordando possíveis razões de haver tensão no encontro da Psicologia com a Educação. “Quando pensamos em tensão, pensamos em algo negativo. Mas ela também possibilita algo novo, a partir da diferença. A Educação tem como objetivo o aprendizado universal, enquanto a Psicologia tende a priorizar a singularidade, o que é específico de cada um. Essa diferença traz a possibilidade de diálogo. Se não houvesse diferença, não faria sentido haver psicólogos na Educação”.
Ela contou também sobre seu trabalho no Proinape (Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas Municipais), antiga Rede de Proteção ao Educando (RPE). “Há dois vieses no trabalho: relações entre o público interno da escola e articulação com a rede intersetorial”. Segundo a psicóloga, a equipe era sempre chamada a escolas com baixos índices no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). “O que era endereçado ao psicólogo, num primeiro momento, eram queixas gerais e parecidas: violência, falta de atenção, agressividade etc. Ou seja, o que fugia ao controle da escola, causando um mal-estar”.
Assim, a escola chamava os psicólogos com o objetivo de “consertar” a situação. “Tinham a expectativa de que, de uma hora para a outra, transformaríamos a relação difícil da criança com a escola e da escola com ela. Como se o tratamento fizesse a criança ‘funcionar’ como a escola quer. Ou seja, chegavam demandas de psicologização e medicalização”.
Viviane destacou que uma possível saída é a interdisciplinaridade. “Buscamos estar sempre em parceria com o educador, no sentido de mostrar a ele que também faz parte da relação com a criança. Outra saída é fazer falar o sujeito. Se num primeiro momento chegam queixas de crianças violentas, agressivas, que não aprendem, podemos desdobrar essa fala e perguntar, por exemplo: ‘de que forma ela é agressiva?’. Com isso, a sensação de impotência pode se transformar em enigmas e podemos apostar em novas coisas”.
Em seguida, Marina Sodré Mendes Barros (CRP 05/32061), também psicóloga da SME do Rio de Janeiro e mestre em saúde coletiva, também trouxe sua experiência no Proinape. “No início, eu achava que a escola não precisava de psicólogo. Acreditava que as queixas e problemas eram devido ao sucateamento da escola. Hoje, compreendo que eu estava tentando precisar as origens do dito fracasso escolar, eu me encontrava repetindo as mesmas queixas. Passei a tentar ver a implicação subjetiva de cada um na escola”.
Além desses impasses, a palestrante apresentou ainda a experiência de um trabalho que teve resultados positivos. “Era uma escola com baixíssimo desempenho e a direção dizia que o fracasso se devia a problemas dos alunos. Ou seja, a escola estava mergulhada em uma lógica de individualização. Propusemos um estudo de caso: em uma turma de 8º ano, fizemos um jogo de perguntas e respostas. Foi a primeira vez que ouvimos Ingrid, uma menina de 8 anos vista como altista. Mas, nessa atividade, ela falou e participou”.
Assim, Marina percebeu que a menina queria ser escutada, o que passou a ser feito pela escola. “Isso levou a uma mudança de relacionamento. Na festa junina, por exemplo, ela foi chamada a dançar e conseguiu seguir os passos. Ela dançou no ritmo dela, mais lento, mas conseguiu repetir a coreografia”.
“Esses efeitos vieram da nossa negativa de dar respostas prontas. Quando chegamos, a lógica da escola era a da produção de culpados, mas houve uma mudança de posição, saindo da culpabilização para a implicação no fracasso escolar. Isso coincidiu com o deslocamento do psicólogo do lugar de especialista”, concluiu.
Finalizando a mesa, o psicólogo Pedro Martins de Oliveira (CRP 05/32232), também da SME do Rio de Janeiro, abordou o trabalho do Proinape em uma escola de um bairro considerado violento. “No livro Guardiões da Ordem, Cecília Coimbra fala da disciplinarização, nas décadas de 1960 e 1970, de qualquer elemento que escapasse ao que era considerado ‘normal’ – eram os subversivos. A demanda era haver uma ‘cura’ para o ‘inimigo em potencial da sociedade’. Hoje, vejo isso na escola. Fala-se nas crianças como ‘traficantes em potencial’”.
Segundo ele, os psicólogos são chamados às escolas para “moldar” essas crianças. “As demandas colocadas a nós passam por discursos como: ‘tenho um aluno que é o capeta, não fica quieto. Vai lá conversar com ele’. É preciso desconstruir essa imagem e fazer outro tipo de intervenção nesses espaços, escapando ao status quo. Temos que explicar que não estamos na escola para fazer tratamento terapêutico nem convencer o aluno de que o traficante não é o modelo de cidadão que ele deve seguir”.
Ao término das palestras, a mediadora da mesa, a psicóloga Mariana de Araújo Fiore (CRP 05/35050), fez uma avaliação positiva do debate. “Estou feliz porque conseguimos trazer as práticas de quem está na escola”. Ela abriu o debate com os presentes, que trouxeram novas questões e aprofundaram falas dos palestrantes.
Entre os temas levantados, estavam a colocação do psicólogo como “normatizador de subjetividades”; o risco de culpabilizar o professor; diferenças e semelhanças entre o trabalho na escola pública e na privada; o adoecimento do professor; a relação com os pais; a importância do trabalho não só com professores, mas também com os demais funcionários da escola; e a hierarquização que muitas vezes aparece entre os profissionais na escola.