CRP-RJ promove evento para marcar importância do Dia da Consciência Negra

Categoria(s):  DIREITOS HUMANOS, Notícias, RELAÇÕES RACIAIS   Postado em: 28/11/2016 às 11:50

evento-conceicao-2“A gestão eleita em agosto de 2016 para o CRP-RJ tem, em sua plataforma política, o alinhamento às lutas dos movimentos sociais, do movimento negro, do movimento LGBT, do movimento pelos direitos das mulheres. Hoje, temos a felicidade de estar aqui, no dia que antecede o Dia da Consciência Negra, para debater esse tema junto da categoria”, afirmou a conselheira-presidente do CRP-RJ, Diva Lúcia Gautério Conde (CRP 05/1448), dando início, no dia 19 de novembro, no auditório da sede do Conselho, ao debate “A Psicologia, a Produção de Subjetividades e a Reparação da Escravidão no Brasil – Dia Nacional da Consciência Negra”.

Em seguida, Maria da Conceição Nascimento (CRP 05/26929), conselheira do CRP-RJ e organizadora do evento, destacou que “o dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi de Palmares, consagra uma data afirmada pelo movimento negro brasileiro para reverenciar as lutas históricas do povo negro. Nesse sentido, uma questão muito cara para nós é a reparação histórica pelo Estado à essa população em virtude do período em que fomos submetidos à escravidão”.

Para instigar a reflexão sobre o tema, foi exibido, com exclusividade, o filme “Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil”. Baseado na tese de Sidney Aguilar Filho, o documentário se desenrola a partir da existência de tijolos marcados com suásticas nazistas em uma fazenda no interior de São Paulo.

O filme, então, descreve o processo de investigação do historiador Sidney Aguilar, durante o qual vem à tona um fato assustador: durante os anos 1930, cinquenta meninos negros foram levados de um orfanato no Rio de Janeiro para a fazenda onde os tijolos foram encontrados. Lá, foram submetidos ao trabalho escravo por uma família que fazia parte da elite política e econômica do país e que não escondia sua simpatia pelo ideário nazista. Dois sobreviventes desse episódio revelam suas histórias pela primeira vez.

Debate

Ao término do evento teve início o debate, que contou com as presenças de Viviane Pereira (CRP 05/31297), psicóloga do Município do Rio de Janeiro e integrante do Kitembo (Laboratório de Estudos da Subjetividade e Cultura Afrobrasileira), Cláudia Ferreira Pinto (CRP 05/19503), psicóloga e membro do Movimento pela Reparação do Povo Negro, e Israel Silva de Oliveira, professor da Rede Estadual de Ensino e pós-graduado em História da África pela UFF.

Viviane iniciou sua fala sublinhando que “a escravidão não é uma história que está no passado. Ela permanece viva na atualidade e temos muito ainda que fazer no presente”. Conforme apontou, “após a abolição, a população negra virou um problema social por se tratar de uma população numerosa com a qual as elites brancas não queriam dividir suas riquezas e privilégios”.

Debatedores (da esq. para dir.): Israel, Cláudia e Viviane

Debatedores (da esq. para dir.): Israel, Cláudia e Viviane

A psicóloga criticou também o que chamou de “atitude tutelar de cuidado” com a população negra. Segundo ela, as (os) psicólogas (os) e demais profissionais da Saúde devem atentar para suas práticas junto a essa população, de modo a não reforçar atitudes que “consideram essa população ignorante, despolitizada, que não sabe cuidar de si. Esse cuidado tutelar de certa forma reforça a ideia de que há uma inferioridade cultural  e social da população negra”.

Cláudia, por sua vez, abordou os objetivos do movimento de reparação da escravidão no Brasil. Em sua avaliação, no começo dos anos 2000, “o Brasil começou a empreender algumas ações afirmativas que, na verdade, não correspondem à reparação que desejamos, tais como as cotas raciais. Isso é encaminhado de forma que a população negra acredite que algo está sendo feito por ela, ocultando, assim, o verdadeiro debate sobre o que é reparação. Cotas raciais são importantes, é claro, mas, para nós, são apenas uma compensação, não uma reparação”.

Ela destacou que os efeitos da escravidão ainda hoje são sentidos pela população negra e classificou a escravidão como um “crime continuado”. “São cerca de 83 jovens negros assassinados por dia no Brasil. Isso é um dos efeitos continuados do período da escravidão”, afirmou.

“A reparação deve ser um processo contínuo, pois reparação é a busca pela igualdade. A maior parte da população pobre é negra, a maior parte da população encarcerada é negra, a maior parte da população que morre assassinada é negra”, finalizou.

Por fim, Israel criticou o processo de construção da própria narrativa histórica sobre os negros escravizados no Brasil e os povos africanos. “Quem conta a história é sempre o caçador. No tabuleiro de xadrez, quem inicia o jogo são sempre as peças brancas. Quando eu estudava história da África, percebia que ela era sempre contada por um branco. Então, me dei conta de que não era história da África que eu estava aprendendo, mas história do europeu na África”.

O professor defendeu que os efeitos da escravidão ainda hoje são sentidos pela população negra brasileira. “Para nós, o dia 14 de maio nunca chegou de fato. O que foi a Lei Áurea se não a oficialização de um crime?”, afirmou, em referência à data de assinatura da lei que decretou a abolição da escravatura, 13 de maio.

“A eugenia continua ainda hoje. Nós falamos dela como um fato histórico, mas ela não é só passado, ela é presente também. Ainda hoje, o negro se sente minoria, ainda hoje o negro age como minoria. Que conceito de minoria é este que ainda hoje persiste?”, questionou.

”Não nos cabe perguntar, como sociedade, se somos racistas ou não. A pergunta que cabe é: onde eu guardo meu racismo? Eu tenho que identificar isso e aprender a lidar com isso”, argumentou o professor.