Conselheiros participam de debate sobre exame criminológico

Categoria(s):  Notícias, SISTEMA PENITENCIÁRIO   Postado em: 28/09/2009 às 11:28

O CRP-RJ participou no dia 23 de setembro, do Fórum Permanente de Direitos Humanos da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), compondo a mesa de debates sobre o tema “Exame criminológico: desafio para os Direitos Humanos”. O evento foi a décima reunião do Fórum, criado pela EMERJ em agosto de 2008.

Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, Renata Tavares, Sérgio de Souza Verani e Maria Márcia Badaró Bandeira na mesa de debates “Exame criminológico: desafio para os Direitos Humanos”.

Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, Renata Tavares, Sérgio de Souza Verani e Maria Márcia Badaró Bandeira na mesa de debates “Exame criminológico: desafio para os Direitos Humanos”.

Os conselheiros Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos, e Maria Márcia Badaró Bandeira, coordenadora do Grupo de Trabalho de Psicologia e Sistema Prisional, representaram o CRP-RJ na mesa. Participaram ainda a defensora pública Renata Tavares, do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública, e a assistente social Tânia Maria Dahmer Pereira, da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP) e colaboradora do GT de Psicologia e Sistema Prisional do CRP-RJ. A mesa foi coordenada pelo Desembargador Sérgio de Souza Verani, presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos da EMERJ.

Verani deu início ao evento lembrando que a Lei de Execuções Penais, que instituiu o exame criminológico, completou 25 anos neste ano. “Na época, foram realizados vários encontros para discutir o que seria o exame criminológico, pois não se sabia bem o que significava isso. Até hoje, não se entende bem por que ele existe, a não ser para um maior controle, exacerbação da punição e redução da liberdade”, declarou.

Em seguida, Márcia Badaró explicou o surgimento e funcionamento do GT de Psicologia e Sistema Prisional do CRP-RJ. “O GT foi criado em março de 2009 como resultado da procura dos psicólogos da SEAP ao CRP-RJ e do movimento nacional do Sistema Conselhos de Psicologia iniciado em 2005 (defesa dos direitos humanos, melhores condições de trabalho e remuneração para os funcionários, pela não participação dos psicólogos na CTC e pela extinção do exame criminológico). É um Grupo de Trabalho é interdisciplinar e possui profissionais tanto de dentro quanto de fora da SEAP”.

A conselheira esclareceu ainda que o GT integra a Comissão de Psicologia e Justiça do CRP-RJ, que abrange outras temáticas na  interface da Psicologia com o Direito. “Temos como objetivos manter um diálogo com o Sistema Judiciário sobre o exame criminológico e a própria prática do psicólogo no campo da execução penal, além de buscar alternativas ao exame e fomentar um debate sobre a mudança de paradigmas da prática do psicólogo como meramente pericial para outra que promova saúde e cidadania, tendo em vista a vida em liberdade”.

Márcia colocou também alguns “mitos” que cercam a execução penal, como por exemplo, a de que o exame criminológico individualizaria a pena. “Não há possibilidade de individualização da pena pela realidade que vemos nas prisões: celas superlotadas, dificuldade de acesso à educação, saúde e assistência social, não-separação dos presos por tipo de delito, falta de postos de trabalho, ausência de cursos profissionalizantes etc. O exame criminológico não pode garantir a avaliação do mérito pessoal se não há oportunidade para o preso exercer sua autonomia”.

Pedro Paulo, por sua vez, abordou o exame criminológico do ponto de vista dos direitos humanos. “Os direitos humanos não se constituem como uma essência, mas estão definidos como uma prática. Temos que chamar a atenção para quais direitos humanos estamos abordando e de qual a definição de ‘humano’ estamos falando”.

O psicólogo traçou um histórico das ciências humanas que surgiram no século XIX ligadas ao Positivismo. “Buscava-se uma relação de causa e efeito em todos os fenômenos. O exame criminológico surge como uma atualização desse conceito positivista de ciência. Sua realização vem atender o anseio de produzir uma prática de criminogênese, que se dá a partir do pensamento lombrosiano”, afirmou, referindo-se a Cesare Lombroso, médico italiano que acreditava que o comportamento era explicado pela antropometria, ou seja, as características físicas.

Pedro Paulo citou ainda o criminologista italiano Enrico Ferri, contemporâneo e opositor de Lombroso. “Ferri explicava o comportamento a partir de causas sociais. Mas, por mais distante de Lombroso que possa parecer, ambos eram positivistas, buscavam uma causa para o efeito, que, no caso, era o comportamento criminoso”.

Segundo o conselheiro, esse pensamento está presente ainda hoje, principalmente no conceito de “delinquência”. “O crime não é mais um ato, mas uma característica da pessoa. Delinquente não é aquele que cometeu um crime, mas aquele que pode vir a cometê-lo. Junta-se o conceito de delinquência com o de periculosidade”.

Renata Tavares apresentou um panorama histórico das prisões, que, de acordo com ela, nasceram junto com as escolas e os hospitais, no século XIX. “Nessa época, surgia a sociedade industrial e as ciências sociais”. Reafirmando a fala de Pedro, Renata ressaltou que “Lombroso traz a idéia do criminoso nato, enquanto Ferri vem com a do criminoso social. No Brasil, importamos toda essa ideologia dos países centrais, que foi abrasileirada e serviu para justificar muita coisa. Até que chegamos ao atual estágio da Execução Penal”.

A defensora pública afirmou que a Lei de Execução Penal se baseia em dois postulados básicos: a personalidade do preso e a análise do seu comportamento. “Há uma tentativa do Estado de regenerar os indivíduos, o crime é tratado como doença. Mas, na verdade, crime é o que queremos colocar na Lei. A capoeira, por exemplo, já foi crime, assim como ser comunista”.

Ela questionou ainda se o Estado tem direito de interferir na vida pessoal do preso, já que o exame criminológico também leva em conta a biografia do sujeito, incluindo as relações familiares etc. “Já vi o Ministério Público questionar a visita doméstica de um preso porque ele tinha duas namoradas. É como se o Estado quisesse impor ao sujeito a forma de ele pensar e viver. Ele perde o direito à diferença e à intimidade, que são garantidos no artigo 5º da Constituição. Embora o processo penal seja baseado no fato, a execução penal é baseada no autor, em quem é aquele sujeito”.

Tânia Dahmer iniciou sua fala com dois exemplos de situações cotidianas que revelam o modo como as pessoas se posicionam, crítica ou acriticamente, diante do que lhes é mandado fazer. “Há alguns anos, a Justiça da Bahia pediu a reintegração de posse de um terreno, tendo um tratorista a missão de demolir a casa  ocupado por uma família que se recusou a sair. A  polícia foi chamada e determinou que a casa fosse demolida. Mas o tratorista se recusou a derrubar a casa, dizendo que aquilo ia contra sua consciência”, explicou. “Por outro lado, Eichmann, que trabalhava na linha férrea da Alemanha e era fiel cumpridor das ordens de Hitler, era responsável por levar judeus, loucos e homossexuais para campos de concentração. Quando foi julgado, ele disse que não entendia porque os atos dele eram crimes, pois ele só cumpria ordens e nunca se preocupou em saber o destino daqueles trens”.

Assim, a assistente social afirma que é preciso questionar sempre o que é demandado aos profissionais. “Se pensarmos no cotidiano em que trabalhamos, vemos uma série de ações que estranhamos. Mas, com o tempo, nos acostumamos”.

Segundo ela, isso é explícito no que chama de “burocracia do aprisionamento”, ou seja, a disciplina cotidiana a que estão submetidos os presos. “Basta vermos os presos com as mãos posicionadas para trás e com o rosto no chão, o isolamento em celas, as revistas corporais, tanto nos presos quanto nas famílias, a falta de acesso às salas de aula etc. Na cultura prisional, o preso é colocado como propriedade do inspetor carcerário”.

Concluindo, Tânia questionou o por quê de essa situação continuar. “Já tivemos tantas mudanças de cultura. As mulheres, por exemplo, conseguiram mudar seu papel na sociedade. Por que a cultura da prisão não pode mudar? O problema do exame criminológico não é técnico, é político. Não podemos nos negar a utilizar certos meios (exame criminológico), assim como fez o tratorista baiano?”.

Após as falas, houve um debate com a plateia, que aprofundou algumas das questões abordadas pelos palestrantes.