Relações raciais e Psicologia Clínica são discutidas na terceira mesa de debates da 13ª Mostra

Categoria(s):  MOSTRA, Notícias   Postado em: 12/07/2019 às 17:22

Encerrando o segundo dia da 13ª Mostra Regional de Práticas em Psicologia, foi promovida a mesa de debates com a temática “Psicologia Preta e a Clínica no Contemporâneo”, mediada pela psicóloga, conselheira-integrante da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ e membro da Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadores (ANPSINEP – Núcleo Rio), Maria da Conceição Nascimento (CRP 05/26929).

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Mesa de Debates – “Psicologia Preta e a Clínica no Contemporâneo”

A primeira fala da mesa foi de Diana Marisa Dias Freire Malito (CRP 05/4023), psicóloga clínica, mestra e doutoranda em Estudos da Subjetividade pela UFF que trabalhou por seis anos na rede de Saúde Mental de Niterói. Ela problematizou conceitos associados à prática clínica, narrando uma experiência pessoal, da qual intitulou de “As voltas do turbante”.

“Dizem que é importante um psicólogo ter uma imagem mais neutra, mas ninguém discute o conceito de neutralidade e nem de imagem. Uma medalhinha de Nossa Senhora, por exemplo, é sempre delicada, sutil. Agora, uma palha da costa com búzios, amarrada no braço, precisa ser escondida”, questionou. “Nossa imagem nunca é neutra. Uma vez, na mesa do bar, surgiu a pergunta entre minhas amigas psi: ‘É adequado psicólogo usar turbante?’. A resposta veio rápida: Eu não uso para não chamar mais a atenção para mim, o paciente precisa focar mais nas questões dele. Agora, será que um turbante é tão ousado e exagerado?”, acrescentou.

Em seguida, Roberta Maria Federico (CRP 05/37813), psicóloga preta, mestre em Psicologia pela UFRJ, fundadora do projeto Sankofa Instituto de Psicologia e servidora pública da Rede Municipal de Educação de Itaboraí, exprimiu suas experiências de vida em um mundo onde o racismo ainda se faz presente e falou sobre a produção acadêmica existente nesse campo.

“Os estudos em Psicologia Preta iniciaram nos Estados Unidos nos anos 60, a parir de estudos individuais que eram organizados para questionar e a atender à carência cultural. O mais famoso desses estudos foi o ‘Teste das bonecas’, feito por Kenneth Bancroft Clark. Ciente de que a Psicologia tradicional tinha um olhar egocêntrico, através dos quais as populações negras serão sempre vistas pela ótica dos desvios, autores como Joseph White passaram a escrever sobre o que seria uma perspectiva afrocêntrica da realidade da maioria das comunidades negras norte-americanas”, explicou.

“É de fundamental importância o psicólogo conhecer a história do Brasil a partir de outros pontos que não a oficial”, defendeu ela. “É fundamental o psicólogo conhecer mais sobre as culturas africanas, voltar-se para essas heranças, entender o peso que há em ser o país com a maior população negra fora do continente africano. A proposta da Psicologia Preta, africana, bem africana, é de emancipação da escravidão mental deixada pelos anos da escravização e políticas de embranquecimento pós-escravidão”, acrescentou.

Fechando o debate, Lucas Motta Veiga (CRP 05/46072), psicólogo clínico e supervisor clínico-institucional, mestre em Psicologia pela UFF e pesquisador sobre questões raciais, anticoloniais e saúde mental da população negra, abordou a construção do conceito de “Psicologia Preta”.

“Para pensar e discutir a construção de uma Psicologia Preta no Brasil, é fundamental que entendamos certo efeito da colonização na produção de subjetividade. Pensar o efeito da colonização na produção de subjetividade passa por compreender que o homem branco, cis, heterossexual, ou seja, a imagem e semelhança do colonizador, ficou colocado historicamente como sinônimo de humano”, afirmou o psicólogo. “Toda a estrutura social e todas as violências subsequentes que vivemos na sociedade contemporânea, como o racismo, o machismo e a LGBTfobia, são produtos do processo colonial”.

“Nós vivemos um epstemicídio, que é uma das vertentes do genocídio, como Abdias Nascimentos coloca no livro ‘O Genocídio do Negro do Brasil’. Há muitas formas de nos matar, há muitas formas de o Estado brasileiro operar o genocídio da população negra e a morte das nossas etimologias, e uma delas é o apagamento das produções de conhecimento negras”.