Referências técnicas sobre Relações Raciais são lançadas durante debate no CRP-RJ

Categoria(s):  Notícias, RELAÇÕES RACIAIS   Postado em: 24/11/2017 às 17:13

relacoes referenciasNo mês da Consciência Negra, o CRP-RJ promoveu, no dia 22 de novembro, no auditório da sua sede, na Tijuca, um importante debate para marcar o lançamento do guia “Relações Raciais: Referências Técnicas paras Atuação da (o) Psicóloga (o)”. Publicada no final de setembro pelo Conselho Federal de Psicologia, por meio do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), a cartilha faz amplo mapeamento sobre o racismo no Brasil e traz referências técnicas e éticas para a prática profissional no campo das Relações Raciais.

Escrita a partir da contribuição de psicólogas (os) de todo o país, a publicação tem o objetivo de qualificar a atuação profissional no acolhimento do sofrimento psíquico oriundo do racismo, promovendo o respeito à diversidade racial em nosso país. O texto, composto por cinco eixos temáticos, dialoga diretamente com as diretrizes ético-políticas estabelecidas pela Resolução do CFP nº 018/2002, que há 15 anos estabelece as normas para atuação da (o) psicóloga (o) em relação ao preconceito e discriminação raciais.

Ao final do evento, um exemplar da cartilha foi distribuído gratuitamente a cada participante. A versão on-line está disponível para download e visualização gratuitos no site do CFP.

Mesa de abertura

O debate sobre a temática e a importância da cartilha do CFP foi precedido por uma breve mesa de abertura que contou com a participação da conselheira-presidente do CRP-RJ, Diva Lúcia Gautério Conde (CRP 05/1448), pelo conselheiro-coordenador da Comissão Regional de Direitos Humanos (CRDH) do CRP-RJ, Roberto Stern (CRP 05/1700), pela conselheira-coordenador do Eixo de Psicologia e Relações Raciais da CRDH, Maria da Conceição Nascimento (CRP 05/26929), pela conselheira do CFP Célia Zenaide e pelo presidente do Sindicato dos Psicólogos do Estado do Rio de Janeiro, Marinaldo Silva Santos (CRP 05/5057).

IMG_3538Abrindo o evento, Diva Conde destacou que o debate sobre racismo é “crucial para toda a sociedade brasileira”. “Precisamos lembrar a Resolução 018/2002, que trata da temática do racismo, e de como nós, psicólogos, precisamos estar aptos a trabalhar com esse fenômeno que atravessa a sociedade brasileira”, afirmou.

Célia Zenaide deu início à sua fala citando um poema de Abdias Nascimento que diz: “Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo”. Em seguida, a conselheira do CFP fez menção à importância do dia 20 de novembro para as lutas do povo negro brasileiro e encerrou sua fala convidando “todos os psicólogos a fazer da Psicologia um novo Palmares”.

“Esse livro é fundamental. É um trabalho que a Psicologia brasileiras devia à sociedade”, defendeu Roberto Stern. “Agora, precisamos fazer com que ele chegue a todos os nossos colegas, pois o racismo ainda é um assunto invisível, pouco debatido na Psicologia”, afirmou.

Marinaldo Santos prestou um breve depoimento pessoal mostrando como, muitas vezes, a população negra tem dificuldade em se identificar como tal. “Não foi sempre que me vi negro. Minha família não se considerava negra. Eu comecei a me identificar como negro aos 16 anos. Antes disso, a minha identidade ainda estava muito associada ao branco, pois eu estava capturado pelo discurso hegemônico de uma sociedade racista”, declarou.

Por fim, Maria da Conceição afirmou a importância do evento para “tirar a temática do racismo da invisibilidade”. “O Brasil é o país que concentra a maior população negra fora da África. Precisamos refletir, então, como o racismo opera em nossa sociedade fazendo com que não reconheçamos nossas origens, que não nos reconheçamos como quem somos”, apontou.

Debate

A mesa de debate do evento foi composta por quatro psicólogos. A primeira a falar foi a conselheira do CFP Célia Zenaide, que problematizou o próprio conceito de “relações raciais”, cujo uso no guia de referências técnicas foi, segundo ela, criticado por alguns profissionais.

“Por que falar em ‘relações raciais’ e por que colocar esse nome no caderno das referências técnicas? Eu afirmo que são relações raciais sim porque sem a ‘branquitude’ não haveria a ‘negritude’. Então, há uma relação aí, pois a ‘negritude’ sozinha não existe; ela só existe nesse processo que vivemos hoje de preconceito e discriminação”, argumentou a psicóloga.

A conselheira do CFP problematizou também o mito da democracia racial no Brasil. “93% das pessoas entrevistadas em um pesquisa do Datafolha afirmam que existe racismo no Brasil. Porém, ao serem questionadas se são ou não racistas, apenas 1,3% das pessoas afirmam que são. Onde estão os racistas então? O que é isso senão um mito da democracia racial?”.

IMG_3578A segunda palestrante da mesa foi Adriana Soares, psicóloga clínica especialista em História da África e do Negro no Brasil. Conforme destacou, “o presente lançamento marca um momento histórico para a Psicologia brasileira. Sabemos que das inúmeras pesquisas sobre a temática, do lançamento da Resolução do CFP 018/2002 e do trabalho ativo dos CRPs nesse debate. Porém, estamos ainda incipientes na sensibilização de muitos profissionais de Psicologia sobre o tema”.

Para a psicóloga, o objetivo ao realizar esse debate não é “culpabilizar as pessoas brancas pelo racismo”. Ela defendeu também a importância de a Psicologia compreender “o fenômeno do racismo” em toda a sua complexidade, para “além do fenótipo”. “É preciso atuar com a compreensão de que nos é exigido fazer de nossa prática terapêutica um complexo arcabouço entre teoria, prática e afeto”, finalizou.

Em seguida, Celso Moraes Vergne, psicólogo e assessor de Participação Social e Equidade da Secretaria de Estado de Saúde, apontou o processo de genocídio da população negra brasileira. Segundo ele, há um projeto genocida em curso nosso país que atravessa diversas instituições, desde a polícia até a escola.

“Há um documento de 1821 em Portugal que define um projeto de miscigenação para o Brasil com o intuito de fazer com que a população negra fosse gradativamente desaparecendo. Esse projeto permanece com a entrada da República e permanece durante o governo de Getúlio Vargas com o incentivo do governo à imigração de determinadas populações europeias”, revelou.

“Me preocupa muito ver que o campo psi no Brasil ainda é muito modelado por modelos eurocêntricos. Temos poucas leituras de autores não europeus em Psicologia. Então, como os psicólogos vão estar prontos para entender a diversidade de uma pessoa que vem de um referencial diferente? Temos aí um problema”, afirmou Celso Verne.

Encerando o debate, Tainara Cardoso, psicóloga da Unidade Municipal de Acolhimento e Cidadania de são Gonçalo e coordenadora do projeto “África em Nós”, destacou que “o racismo não começa em si próprio, ele é um fenômeno histórico” e defendeu que, por conta disso, a (o) psicóloga (o) precisa ter “cautela” em sua escuta.

A psicóloga apresentou alguns casos de crianças e adolescentes do abrigo onde atua para mostrar como o racismo e a discriminação revelam-se no cotidiano desses sujeitos, produzindo segregação e sofrimento. “Falar sobre racismo é falar sobre um terreno muito doloroso, e a gente se esquiva, cada vez mais. A nossa profissão foi e vem sendo desonesta com a população negra, negligenciando-a”, defendeu.

O debate teve transmissão ao vivo e on-line pelo canal do CRP-RJ no Youtube. Você pode acessar a íntegra do vídeo clicando aqui.