II Fórum de Ética tem início com debate sobre Ética e psicoterapias

Categoria(s):  ÉTICA, Notícias   Postado em: 28/10/2009 às 10:47
A mesa de abertura do II Fórum de Ética contou com a participação de Henrique Rodrigres, Lygia Ayres e José Novaes na sequência.

A mesa de abertura do II Fórum de Ética contou com a participação de Henrique Rodrigres, Lygia Ayres e José Novaes na sequência.

No dia 23, em seu primeiro dia, o II Fórum de Ética contou com uma mesa de abertura, que teve participação do conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes, da conselheira presidente da Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ, Lygia Ayres, e do conselheiro do CFP Henrique Rodrigres.

Henrique começou o encontro ressaltando que, para o Conselho Federal de Psicologia, a valorização da ideia da ética na Psicologia é de suma importância. Apontou, também, para a necessidade de haver transparência e compromisso social por parte dos profissionais. José Noves comentou que ética e psicoterapia são inseparáveis e que eventos como esse servem para pensar teses que serão discutidas no Congresso Nacional de Psicologia, em 2010. Finalizando a mesa de abertura, a conselheira Lygia Ayres afirmou que a COE vem buscando orientar os psis para o cumprimento do Código de Ética, além de promover uma abertura para as questões éticas. Segundo ela, o foco dessa gestão é mais no sentido de orientar do que punir.

Em seguida, a mesa Ética e psicoterapias teve como convidados os psicólogos Paulo Blank, psicanalista, escritor e doutor em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ; Rosaura Faria Braz, psicóloga do Multiversa, Terapia de Família e Práticas Sistêmicas; Eduardo Henrique Passos Pereira, professor doutor da UFF; Henrique Rodrigues, conselheiro do CFP e diretor do Instituto de Formação e Pesquisa Wilhelm Reich (IFP-Reich). A mesa foi mediada pela psicóloga Heliana de Barros Conde Rodrigues.

Ética e práxis psi

A mesa principal abordou questões como as mudanças nos arranjos familiares atuais, ética e responsabilidade na práxis clínica e o lugar da psicoterapia.

A mesa principal abordou questões como as mudanças nos arranjos familiares atuais, ética e responsabilidade na práxis clínica e o lugar da psicoterapia.

Na mesa principal, os palestrantes abordaram questões como as mudanças nos arranjos familiares atuais, ética e responsabilidade na práxis clínica e o lugar da psicoterapia. A psicóloga Rosaura Braz falou sobre terapia de família sistêmica, que é uma abordagem na qual todos os indivíduos da família participam, funcionando como um todo. Cada parte só pode ser entendida dentro de um contexto, ou seja, caso haja alguma mudança em uma das partes, isso afetará todas as outras. Rosaura apontou para a necessidade de abandonarmos alguns estereótipos que temos em relação à família. “Muitas pessoas pensam que família é só aquela composta por pai, mãe e dois filhos brancos. Eu, inclusive, prefiro utilizar a expressão ‘arranjo familiar’, devido às novas formações que surgiram com os recasamentos, relações estáveis, entre outros”, afirmou.

Segundo ela, quando os problemas cotidianos começam a aparecer, as famílias têm dificuldade em lidar com as diferenças por causa dos padrões sociais preexistentes, mais uma vez influenciados pelo estereótipo de “família de comercial de margarina”. Para ajudar essas pessoas, a psicóloga afirma que, no primeiro atendimento, procura conhecer e identificar cada indivíduo na família, “a partir de uma escuta do sofrimento e contextualização das origens da família. Fazemos isso porque o atendimento de uma família judaica, por exemplo, é diferente de uma baiana. O olhar que o psi deve ter precisa ser diferenciado”. Para ajudar na contextualização da família, Rosaura utiliza o genograma, mapeamento de três gerações anteriores à família atendida, que contém informações como o local onde moram, a oficialidade do casamento e tipo de relações entre as pessoas.

Outro ponto importante é a investigação do motivo que os levou a procurar a terapia naquele momento e o que aconteceu para isso. “Precisamos, também, saber qual a expectativa da família funcionando como um sistema complexo de elementos colocados em interação para o tratamento, pois a partir disso, o psicólogo pode dizer até onde poderá ajudá-los”, comentou.

Sobre a ética na terapia familiar sistêmica, Rosaura afirmou que, apesar dessa forma de atendimento ver a família como um sistema complexo de elementos colocados em interação, o psi deve manter um certo distanciamento afetivo com os participantes. “Precisamos repensar o conceito de ética porque o psicólogo também faz parte daquele sistema. Então, o ‘não vejo, não ouço, não penso’ não faz mais sentido”, finalizou.

O psicólogo Henrique Rodrigues comentou sobre a práxis na clínica reichiana, ressaltando que saber e ética são indissociáveis. Ele baseou sua explanação em três pontos: teoria da prática, linguagem escrita e a barreira narcisística e a relação terapeuta-paciente.

A teoria da prática procura produzir e construir questões teóricas sobre a prática. “A psicanálise e as terapias psicorporais estão intimamente ligados com a relação sujeito-objeto-sujeito. Durante o atendimento, o psi também é analisado pelo paciente”, ressaltou.

Segundo Henrique, a linguagem, corporal ou não, é parte da construção do sujeito e, por isso, é preciso teorizar as práticas clínicas do trabalho corporal. Ele afirmou que “a escrita pereniza o pensamento, permitindo ser manuseado, lido e criticado. O saber tem que estar escrito para não se perder”.

E como a ética se dá no setting terapêutico? Para Henrique, ela se faz no cotidiano, marcado pelo sigilo profissional e pela sustentação de uma relação particular e única. “O psi deve estar atento a tudo, para não transgredir os limites. Ele tem que se envolver com o paciente, mas de maneira profissional, para não se colocar em situações desagradáveis”, comentou.

Ética e filosofia

O psicólogo Paulo Blank utilizou uma abordagem mais filosófica para tratar a questão da ética, embasando-se nos filósofos Lévinas e Ferenczi. Paulo afirmou que, durante um atendimento, o psicólogo deve adaptar suas ferramentas técnicas ao paciente. “O que ocorre é uma troca na qual ambos se influenciam mutuamente. O profissional deve perceber isso e não se prender somente as técnicas”, comentou. Ainda sobre esse tema, ele colocou que não há mudanças na forma de clinicar se não mudar a técnica, e que “é preciso se adaptar, ressaltando que falar a mesma língua do outro não significa desconstruir sua narrativa”.

Paulo enfatizou que a responsabilidade pela outro é uma importante questão no que diz respeito à ética. “Segundo Lévinas, a ética é a primeira filosofia e a religião, a primeira ética. As amarras da subjetividade se dão pela maneira como nos colocamos frente aos outros. A ética só é possível porque existe essa visão do outro”, falou. Ele vê a ética mais como um projeto “porque nós somos projetos de humanos. Falo que é um projeto ético porque, mesmo que não funcione, ela merecia”. Paulo também comentou sobre a necessidade de haver mais discussões sobre clínica, não só para os que concordam, mas também para os outros de maneira a criar um contraponto.

Eduardo Passos Pereira abordou a questão do lugar da psicoterapia no mundo contemporâneo, com base nos princípios do ethos e do thopos, que significam atitude e lugar, respectivamente. “Sem atitude, não há mudança de lugar. Exemplifico isso na questão da luta antimanicomial, na qual o que é colocado em cheque não é o lugar, e sim o modelo hospitalocêntrico, a atitude. Trocar o manicômio pelo Centro de Atendimento Psicossocial, e o psiquiatra pelo psicólogo, não resulta numa mudança de lugar. A diferença está na descentralização do processo”, afirmou.

O primeiro dia do Fórum foi encerrado com um debate, no qual os psis ressaltaram a importância de valorizar e respeitar o outro, além da constante construção da psicoterapia ao passo que o terapeuta se transforma a cada paciente atendido.